A busca frenética pelo voto evangélico é uma marca das eleições em todo o
Brasil, não importa qual seja o cargo disputado. Frequentemente os
candidatos se aliam aos líderes religiosos para conquistar a simpatia
dos evangélicos e, sem nenhum constrangimento, pedem votos dentro dos
templos e durante os cultos. Algumas vezes de maneira nada republicana.
Nas 100 maiores cidades mineiras, 271 pastores evangélicos disputam
vagas nas câmaras municipais, contra apenas sete padres. Mas essa
corrida não é sem motivo, afinal a população evangélica no Brasil
representa, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), 42,3 milhões de pessoas.
Mas nem todos os que professam essa religião concordam com a prática,
batizada de “voto de cajado”, referência ao voto de cabresto, tão comum
nos tempos do coronelismo, no meio religioso. Por isso, um grupo que
reúne cristãos ligados à defesa da cidadania, dos direitos sociais e da
justiça resolveu se mobilizar e lançar no meio evangélico uma campanha
nacional de conscientização.
“Queremos abrir um diálogo para repensar o modo de participação dos
evangélicos na política”, afirma Caio Marçal, missionário da Igreja
Batista da Redenção, em Belo Horizonte, e secretário de mobilização do
grupo, batizado de Rede Fale. “O pastor pode participar da formação
política de suas ovelhas, mas deve evitar o processo de manipulação
político-partidária. A intenção não é afastar o público cristão dessa
temática, mas clarificar esse assunto para que a igreja possa participar
da vida da cidade, inclusive a política, de forma qualificada e ética”,
defende Caio.
No dia 22, a Rede Fale promove na capital mineira um debate sobre o tema
na Comunidade Cristã Caverna de Adulão, para discutir os perigos da
manipulação do voto nas igrejas e a postura dos cristão ante a política e
as eleições. Eventos semelhantes vão ocorrer na mesma semana em São
Paulo, Aracaju, Rio de Janeiro e Fortaleza.
Para Flávio Conrado, doutor em antropologia, o voto evangélico segue a
lógica da identificação e do reconhecimento que um igual, no caso um
irmão ou irmã na fé ou alguém teoricamente de confiança de seu pastor ou
líder, estará atento para as problemáticas da comunidade religiosa.
Mas, em muitos casos, segundo ele, os pastores e líderes se orientam por
uma visão essencialmente pragmática da política, sem conteúdo
ideológico. Para ele, a única maneira de romper isso é por meio da
educação baseada em valores republicanos e democráticos, informação e
discussão das propostas dos candidatos, além de maior maturidade
política e integridade ética por parte dos membros e pastores das
igrejas evangélicas. “É preciso avaliar melhor a indicação do pastor ou
do líder evangélico. É preciso que o eleitor estude melhor a história
dos candidatos, que analise suas propostas, que tenha uma visão mais
global dos partidos, julgando não só pelo grau de empatia com o segmento
evangélico, mas por critérios mais republicanos”, defende Conrado,
estudioso da participação político-eleitoral dos evangélicos.
LIBERDADE
Apesar da romaria em busca do voto evangélico, para o antropólogo, a
indicação do pastor não significa adesão automática a um candidato.
“Depende muito da conjuntura, e o chamado voto de cajado tem se provado
mais efetivo em mandatos legislativos, e, mesmo assim, não se pode
confiar em 100% de ‘conversão’ da indicação em voto.”
A campanha contra o voto de cajado também conta com o engajamento de
pastores evangélicos. Para Christian Gillis, pastor da Igreja Batista da
Redenção, toda ação em prol da plena liberdade de escolha política deve
ser adotada pelos líderes religiosos de todas as correntes. “O voto tem
que ser livre de todo tipo de controle e pressão, seja esse domínio de
natureza religiosa ou secular. Isso é fundamental para o desenvolvimento
da democracia. É preciso alertar contra toda forma de manipulação
eleitoral, seja de que matriz for.” Segundo ele, o voto tutelado é uma
“prática nefanda que obviamente não se limita aos segmentos
evangélicos”. Essa prática, de acordo com ele, reflete “parcialmente os
costumes da mesma sociedade”. Otimista, ele avalia uma melhora na “arte
de escolher aquilo que trará mais bem comum” . “Isso é resultado dos
diversos movimentos, inclusive cristãos, que buscam elucidar bons
critérios para a escolha de governantes e legisladores.”
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