I –
Conceito de Saúde
A saúde humana, segundo a conceituação datada de 1978 no âmbito da
Declaração de Alma – Ata, URSS, e proclamada pela Conferência
Internacional sobre cuidados primários de saúde, é assim entendida:
“
A saúde, estado de completo bem estar físico, mental e social, e
não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, é um direito
fundamental, e a consecução do mais alto nível possível de saúde é a
mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de
muitos setores sociais e econômicos, além do setor saúde”.
Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 196 que :
“
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
No que se refere às ações e serviços de saúde, que são considerados de
relevância pública,
a Constituição no artigo 197, diz que caberá à lei dispor sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle. Diz, ainda, que eles integram
uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único.
Uma de suas diretrizes é a participação da comunidade (artigo 198,
inciso III).
Para tanto, em 19 de dezembro de 1990 foi promulgada a lei da saúde,
de nº 8.080 e, logo a seguir, em 28 de dezembro, a lei 8.142, dispondo
sobre a participação da comunidade na gestão do SUS (Sistema Único de
Saúde).
Antes da Constituição Federal de 1988, no território nacional o
atendimento médico nos serviços públicos de saúde, apenas era prestado
àquelas pessoas que estivessem inscritas no Instituto Nacional de Seguro
Social, o INSS. Felizmente, esse tempo já passou e agora todos, com
registro na Carteira de Trabalho ou não, sejam pobres ou ricos, têm
direito a ser atendidos no Sistema Único de Saúde, o SUS (art.196 a 200
da Constituição). Essa transformação deveu-se à luta pelo direito
empreendida por milhões de brasileiros durante décadas e que logrou
sensibilizar nossos legisladores.
Tanto a Constituição Federal (art.198-II), como a Lei da Saúde (
SUS) nº 8.080/90, no seu artigo 7º, inciso II, fazem referência ao
atendimento integral
do paciente, significando um conjunto de ações e serviços preventivos e
curativos, incluindo-se, no campo da saúde mental, por exemplo, a
psicoterapia, a reabilitação e a distribuição gratuita de medicamentos,
independentemente da condição financeira da pessoa. No inciso IV, a lei
da saúde reforça o princípio da igualdade, quando dispõe:
“Igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;”
II – Gratuidade
É na legislação infraconstitucional que vamos encontrar o fundamento
legal para a gratuidade das ações e serviços de saúde. Além do artigo
197 da Constituição Federal considerar os serviços de saúde
relevância pública.
A gratuidade está garantida no texto da Lei da Saúde, ou seja, na Lei 8.080/90
, em seu artigo 43
:
“A gratuidade das ações e
serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos contratados,
ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios estabelecidos com
as entidades privadas.”
Por outro lado, no âmbito da Constituição do Estado de São Paulo, há também um dispositivo assegurando a universalidade e a
gratuidade: artigo 222, incisos IV e V, que dispõem:
“
As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos
pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da
administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema único de saúde, nos termos da Constituição Federal, que se organizará ao nível do Estado, de acordo com as seguintes diretrizes e bases:
…
IV — universalização da assistência de igual qualidade com
instalação e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à população
urbana e rural;
V – gratuidade dos serviços prestados, vedada a cobrança de despesas e taxas, sob qualquer título”.
Essas diretrizes também estão reiteradas no Código de Saúde
Paulista, lei complementar estadual nº 791, de 09/03/1995, em seu artigo
12.
Tudo isso significa, então, que o direito aos serviços de saúde é um
direito que cada um poderá cobrar do Estado através de ação judicial.
Trata-se de um direito público subjetivo, conforme se vê da leitura do
artigo 2
o. , parágrafo 1
o. do Código de Saúde Paulista:
“
O direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito público subjetivo”.
Reforçando tal diretriz, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, no seu artigo 215, § 2º, prevê:
“
É vedado cobrar do usuário pela prestação das ações e dos serviços no âmbito do sistema único de saúde”.
III –
Sistema Único de Saúde/SUS
Os serviços de saúde públicos têm um só comando,
sendo unificados e distribuídos pelos vários estados e municípios. É o
dinheiro dos cofres federais que será distribuído para cada um, em
parcelas. Assim, o
serviço estadual recebe dinheiro federal e o
serviço municipal também o recebe.
A regra constitucional, após a Emenda 29, de 13/09/2000, vincula a
verba destinada à promoção e assistência à saúde, ou seja, não poderá
deixar de ser aplicada em saúde. Até o ano de 2004 os estados deverão
aplicar 12% e os municípios 15% de sua receita:
Art. 198 – A ações e serviços públicos de saúde
integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.
§ 1º- O sistema único de saúde será financiado, nos termos do
art.195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º- A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos
mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3;
II – no caso dos Estados o produto da arrecadação dos impostos a
que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios;
III – no caso dos municípios e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de
que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º- Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I – os percentuais de que trata o § 2º;
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à
saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e
dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a
progressiva redução das disparidades regionais;
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das
despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
Sempre é bom lembrar que a “
assistência à saúde é livre à iniciativa privada”,
nos termos do artigo 199 da Constituição. O § 1º assegura à iniciativa
privada sua participação no sistema único de saúde de forma
complementar:
”
As instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste,
mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.
Sendo que o § 2º determina:
“
É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”.
Portanto, a classe empresarial com capacidade de investimento poderá
à vontade investir na área da saúde. Deve ajudar o SUS quando este não
reúna condições de atender à população e não o contrário.
IV –
Participação da Comunidade
A lei da saúde, n.
8.080/90, diz no seu
artigo 33 o seguinte:
“
Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde – SUS serão
depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e
movimentados sob fiscalização dos respectivos conselhos de saúde”. Essa mesma lei cria, na esfera federal, o
Conselho Nacional de Saúde (art. 12 e 37).
Os Conselhos de Saúde são:
nacional, estaduais e municipais.
Trata-se de um organismo de controle social. Participa da discussão
de políticas públicas de saúde.Trata-se de órgão de atuação independente
do governo, embora faça parte de sua estrutura.
A
Lei 8.142/90, no seu artigo 1º, § 2º, diz :
“O Conselho de Saúde, tem caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários,
atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política
de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos
e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder
legalmente constituído em cada esfera do governo”.
Diz, ainda, o artigo 4
o., II, da lei acima
referida que, para receberem os recursos financeiros, os Municípios, os
Estados e o Distrito Federal deverão contar com o Conselho de Saúde,
com composição paritária de acordo com o
Decreto 99.438, de 7 de agosto de 1990.
Com relação à fonte de custeio dos Conselhos de Saúde, determina a
Resolução n. 33, de 23.12.92, editada pelo
Conselho Nacional de Saúde, em seu “
item 3.
Estrutura dos Conselhos de Saúde”, que:
“Os
organismos de Governo Estadual e Municipal deverão dar apoio e suporte
administrativo para a estruturação e funcionamento dos Conselhos,
garantindo-lhes dotação orçamentária. O Conselho de Saúde deverá ter
como órgãos o Plenário e o Colegiado Pleno e uma Secretaria Executiva
com assessoria técnica. O Plenário ou Colegiado Pleno será composto pelo
conjunto dos Conselheiros.”
Nessa mesma orientação, o
Relatório Final da 10a. Conferência Nacional de Saúde, em setembro de 1996, estabeleceu em seu
“
item 3.2. Funcionamento dos Conselhos de Saúde” que “Para assegurar o pleno funcionamento dos Conselhos de Saúde, os gestores do SUS devem:1.1
.
colocar à disposição dos Conselhos de Saúde infra-estrutura e recursos
financeiros necessários para o pleno exercício de suas funções. Eles
devem dispor de dotação orçamentária própria, espaço físico permanente,
órgão de assessoramento técnico, secretaria executiva e de apoio
administrativo; 1.2.
ressarcir aos Conselheiros de Saúde suas
despesas de deslocamento e pagamento de diárias, quando estiverem em
exercício de suas funções.”
E, segundo a orientação do
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde- CONASEMS, em seu Manual n. 1, p.37, do ano de 2000,
“
A Secretaria de Saúde ou Departamento de Saúde deve fornecer
infra-estrutura necessária ao pleno funcionamento do Conselho. Isto
implica no fornecimento de espaço físico, recursos humanos e recursos
financeiros, devendo ser garantido no orçamento das Secretarias, tanto
Estaduais quanto Municipais, recursos financeiros que viabilizem o
trabalho do Conselho, que muitas vezes irá solicitar a realização de
estudos, pesquisas e cursos de aprimoramento, subsidiando assim, suas
decisões.”
Finalizando, é importante salientar que a Constituição Federal passou a usar a expressão “
seguridade social ” para referir-se ao direito à saúde, à previdência social e à assistência social. Por isso, quando falamos
seguridade social não devemos nos lembrar apenas do INSS, mas, também do SUS e da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social).
Diz o artigo 194 da CF:
“
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações
de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social ”.
O custeio da seguridade social caberá a toda a sociedade, sejam
empregadores, empresas, trabalhadores e outros tipos de contribuintes,
sempre sob o prisma da eqüidade na forma de participação (art. 194, V),
ou seja, quem tem mais recursos contribuirá com maior quantia.
Inês do Amaral Büschel, em 10 de agosto de 2010.
(texto originalmente publicado na Rev. de Direitos Difusos do IBAP, ano IV, vol. 19, pág.2553/7, entre maio-junho de 2003)