A redução da maioridade penal, prevista em projetos em tramitação no
Congresso Nacional, foi criticada pelos convidados que participaram de
audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CDH)
nesta segunda-feira (17). Em lugar da redução, eles defenderam o
fortalecimento das políticas públicas voltadas para crianças e
adolescentes, e disseram que a violência que assombra a classe média só
ganha destaque devido a sua exploração pela mídia, que transmite à
sociedade uma visão distorcida da realidade.
A audiência foi aberta com a execução do Hino Nacional por orquestra
dirigida por um agente de reintegração social e composta por
adolescentes que cumprem medida sócio-educativa na Unidade de Internação
do Plano Piloto (UIPP), antigo Centro de Atendimento Juvenil
Especializado (Caje), localizado no final da Asa Norte, em Brasília.
Para a representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Cynthia
Rejane Corrêa Araújo Ciarallo, a violência ganha destaque não porque os
atos infracionais praticados por adolescentes “tomam conta do país”,
mas porque “a pauta midiática recorta e elege fatos isolados como
destinação de política juvenil”. Ela apontou a proximidade de eleições
gerais, em 2014, e disse que “quando as paixões entram em cena, há risco
de que as violações aconteçam”.
Cynthia disse que “há hoje umas dez empresas que tomam conta do país
por conta do poder de informação, que deveriam estar discutindo os
direitos ainda não consagrados previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente, as medidas sócio-educativas em processo de implantação que
não aparecem na televisão”.
- O problema real não é a quantidade de homicídios praticados por
adolescentes, que não podem servir de bode expiatório para problemas
mais amplos, mas outras violações que ocorrem no país. O conceito de
adolescente só é discutido quando gera inquietação na sociedade –
afirmou.
A psicóloga disse ainda que a redução da maioridade vai reforçar a
superlotação dos presídios, “locais onde não prevalece a
responsabilidade, mas a vingança e o suplício”. Segundo ela, o país está
na “contra-mão” da política, ao discutir a violência a partir do
comportamento dos adolescentes.
- Estamos cometendo um equivoco constitucional. As empresas de seguro
faturam com as informações da mídia, que elege de tempo em tempo de
quem a gente deve ter medo. O adulto usa o adolescente [para o crime]
porque o adolescente está só, à mercê do adulto. Essa é a pergunta, e
não por que o adolescente vai até o adulto – afirmou.
A psicóloga também defendeu a elaboração de um marco regulatório da
comunicação “para acabar com o medo absurdo que é passado [à sociedade
pela mídia] e, de fato, não é real no país”.
'Empobrecimento'
Para o representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, Alex Reinecke de Alverga, o fenômeno da violência é
complexo e tem sofrido um “empobrecimento” devido à forma com que é
discutido.
A redução da maioridade, afirmou, não pode ser uma matéria
exclusivamente penal, visto que tal abordagem “realiza uma profunda e
perigosa inversão em que as consequências são tornadas causas”.
- É um desserviço como esse debate é colocado na mídia, há um
rebaixamento do tema. É preciso fortalecer a garantia de direitos e o
cumprimento de medidas sócio-educativas – afirmou.
Para o promotor de Justiça da Infância e Juventude do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios, Renato Barão Varalda, a atual
maioridade penal constitui uma cláusula pétrea da Constituição e não
pode ser alterada.
- A redução da maioridade não vai diminuir a violência. Temos que ter
políticas públicas. Os adolescentes não são responsáveis pela maioria
dos crimes, são responsáveis por menos de 20%. A internação é prisão, o
viés é pedagógico, mas há redução da liberdade. A situação do
adolescente é peculiar. Faltam programas pedagógicos estaduais, há
escassez de servidores qualificados – afirmou.
'Elitismo'
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
(CDH), a senadora Ana Rita concordou com as observações feitas pelos
especialistas. Ela afirmou que a sociedade não se comove da mesma forma
quando um jovem pobre e negro é assassinado.
- A sociedade é muito elitista, penaliza jovens pobres e negros, mas
não dá o mesmo tratamento a jovens ricos que cometem ato infracional –
afirmou.
Para o senador José Pimentel (PT-CE), a solução para combater o
aumento da criminalidade seria a adoção da escola em tempo integral. Já o
senador Eduardo Suplicy (PT-SP) defendeu a implantação da renda básica
de cidadania, oriunda de projeto de lei de sua autoria, e disse que o
mecanismo contribui para redução da violência.
Participação
Essa foi a terceira e última audiência pública sobre a redução da
maioridade promovida pela CCJ. O debate contou com a participação
popular, por meio do
e-Cidadania,
e foi transmitido por videoconferência para as Assembleias Legislativas
de Pernambuco, São Paulo, Roraima, Maranhão, Minas Gerais, Espírito
Santo, Distrito Federal, Pará, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Mato
Grosso, Santa Catarina e Goiás.
Somadas as três audiências, foram cerca de 600 manifestações,
enviadas por cidadãos de todo o país. Do total, 73% das participações
chegaram pela internet e outras 27% pelo telefone do Alô Senado
(0800-612211).
Fonte:
Portal Senado